Em recente decisão no Recurso Especial (REsp) 2.178.201/RJ, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça alterou sua jurisprudência, passando a entender que créditos decorrentes de ações judiciais transitadas em julgado devem ser integralmente utilizados em compensações administrativas (PER/DComp) no prazo máximo de cinco anos. Caso não seja possível esgotar o crédito neste prazo, o saldo remanescente será perdido.
Até então, entendia-se que o prazo de cinco anos se referia apenas ao limite para dar início às compensações (transmissão da primeira PER/DComp), mas o saldo remanescente poderia ser utilizado até o efetivo esgotamento do crédito, nos anos subsequentes.
Por ora, não se trata de um entendimento vinculante a outros juízes e tribunais, mas a decisão representa uma preocupante guinada jurisprudencial desfavorável aos contribuintes.
Para entender a controvérsia e sua relevância, cabe fazer uma breve contextualização.
É comum que contribuintes questionem cobranças de tributos perante o Poder Judiciário e, ao final, obtenham decisões judiciais transitadas em julgado reconhecendo o direito à compensação administrativa de valores indevidamente recolhidos.
Em seguida, os contribuintes têm o prazo prescricional de cinco anos para dar cumprimento à decisão (Súmula 150/STF e artigo 168 do CTN), contados do trânsito em julgado.
Para aproveitar o crédito mediante compensação, o contribuinte deve, inicialmente, realizar a prévia habilitação junto à Receita Federal (atualmente regulamentada pela IN RFB 2.055/2021).
Entre a data de protocolo do pedido de habilitação e a data de ciência do contribuinte quanto ao seu deferimento, o prazo prescricional de cinco anos fica suspenso (artigo 106, parágrafo único, da IN RFB 2.055/2021).
Com o deferimento do pedido de habilitação, volta a fluir o prazo prescricional e o contribuinte pode dar início à entrega de declarações de compensação (PER/DComp), em que utilizará o direito creditório judicialmente reconhecido para compensação de tributos junto à Receita Federal.
É neste momento que surge uma relevante controvérsia entre Fisco e contribuintes.
Para a Receita, todo o crédito deve ser necessariamente utilizado dentro do prazo máximo de cinco anos. Caso isso não seja possível (por exemplo, se contribuinte não possuir débitos suficientes para consumir todo o crédito), o saldo remanescente não mais poderá ser utilizado (Solução de Consulta Cosit 382/2014).
Os contribuintes, por sua vez, defendem que têm cinco anos somente para dar início à utilização do saldo credor, mediante transmissão da primeira PER/DComp, mas o saldo remanescente do crédito pode ser aproveitado mesmo após esse prazo, até o seu esgotamento.
Tradicionalmente, a jurisprudência de ambas as Turmas do STJ era favorável aos contribuintes, mas a situação foi alterada com a recente decisão da 2ª Turma no REsp 2.178.201/RJ.
De acordo com o ministro relator Francisco Falcão, “todas as PER/DCOMP precisam necessariamente ser transmitidas no prazo de 5 anos”, cabendo ao contribuinte avaliar a “forma pela qual submeterá a questão de direito à análise do Poder Judiciário, estando ciente de todas as limitações envolvidas quanto à recuperação do crédito”.
O principal motivo para essa guinada jurisprudencial, conforme constou da decisão, foi que a 1ª Turma do STJ agora também estaria adotando entendimento favorável ao Fisco – citando, a título de exemplo, o acórdão no REsp 1.729.860/SC.
Porém, na realidade, o precedente da 1ª Turma aplicou a mesma jurisprudência pacífica que vigorava até então, favorável aos contribuintes. O que houve foi uma situação concreta diferente.
No caso citado (REsp 1.729.860/SC), o contribuinte interpretou que o pedido de habilitação do crédito seria uma causa de “interrupção” do prazo prescricional, e não de “suspensão”.
Por isso, entendeu que o prazo de cinco anos teria reiniciado após o deferimento da habilitação, em vez de continuar a contagem do prazo, considerando o período já decorrido entre o trânsito em julgado e o protocolo do pedido de habilitação.
Inclusive, no REsp 1.729.860/SC, a 1ª Turma do STJ deixa isso claro ao fazer um histórico das datas: “(a) 28/4/2006 – trânsito em julgado da decisão que reconheceu o direito; (b) 20/4/2011 – pedido de habilitação (4 anos, 11 meses e 20 dias após o trânsito em julgado); (c) 24/5/2011 – despacho favorável do fisco; (d) 30/5/2011 – ciência da parte contribuinte; (e) 20/5/2016 – tentativa rejeitada de transmissão da declaração eletrônica de compensação”.
Ao final, a 1ª Turma registrou que a PER/DComp foi transmitida após o prazo de cinco anos, “quando somados os períodos que antecederam (28/4/2006 a 24/4/2011) e sucederam (30/5/2011 a 20/5/2016) tal pedido de habilitação”.
Guinada exige atenção dos contribuintes
De fato, a resolução final foi desfavorável ao contribuinte, mas não por uma mudança jurisprudencial da 1ª Turma, e sim por abordar uma situação concreta diversa.
Ainda que pautada em premissa equivocada, a 2ª Turma efetivamente mudou sua jurisprudência, prejudicando a segurança jurídica e a efetividade de decisões judiciais transitadas em julgado. Tal situação, desde já, exige atenção dos contribuintes quanto aos riscos de não utilizarem a totalidade do saldo credor dentro do prazo de cinco anos.
Espera-se, contudo, que tal interpretação seja revista quando o debate for levado à 1ª Seção do STJ, responsável pela uniformização de entendimentos da 1ª e 2ª Turmas, em possíveis embargos de divergência ou eventual recurso repetitivo.
Fonte: Conjur