Créditos de ICMS na aquisição de produtos intermediários e decisão no EAResp 1.775.781

Exercendo sua missão de guardião da legislação infraconstitucional comum — artigo 105, III, CF — o STJ (Superior Tribunal de Justiça) pacificou a discussão do creditamento de ICMS na aquisição de produtos intermediários.

Restou reconhecido pela Corte que a LC nº 87/1996 modificou o cenário normativo que vigorou na vigência do Convênio ICMS 66/1988 do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), ampliando significativamente as hipóteses de creditamento de ICMS, permitindo o aproveitamento dos créditos referentes à aquisição de quaisquer produtos intermediários, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da empresa.

É o que dispõe o artigo 20, caput e §1º, da Lei Kandir, in verbis:

“Artigo 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada da mercadoria, real ou simbólica, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual ou intermunicipal ou de comunicação.

§1º Não dão direito a crédito a entrada de mercadorias ou utilização de serviços resultantes de operações ou prestações isentas ou não tributadas, ou que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade do estabelecimento.

§2º Salvo prova em contrário, presumem-se alheios à atividade do estabelecimento os veículos de transporte pessoal”.

Esse é o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, consoante se verifica em inúmeros precedentes:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 1.022 DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. ICMS. QUEROSENE DE AVIAÇÃO. INSUMO. CREDITAMENTO PROPORCIONAL. APROVEITAMENTO DE VALORES PRETÉRITOS. CREDITAMENTO. POSSIBILIDADE. ARTIGO 166 DO CTN

1. Discute-se nos autos o direito aos créditos de ICMS oriundos das aquisições de combustível de aeronave (querosene), utilizados na prestação de transporte aéreo tributado pelo imposto estadual.

2. Afasta-se a incidência da Súmula 280/STF, uma vez que essa instância superior, no presente caso, não enfrentará o modo de execução ou de cálculo do crédito de ICMS, mas sim o direito ao creditamento. Afastam-se igualmente os óbices apontados em contrarrazões contidos nas Súmulas 282 e 283 do STF, uma vez que a questão controvertida foi devidamente enfrentada pelo acórdão recorrido, havendo prequestionamento dos dispositivos apontados como violados, não havendo argumento não impugnado pelo recorrente, no que diz respeito ao direito ao creditamento do ICMS.

3. Quanto ao mérito, o Superior Tribunal de Justiça possui precedentes no sentido de que, para fins de creditamento de ICMS, é necessário que o produto seja essencial ao exercício da atividade produtiva para que seja considerado insumo (AgInt no AREsp 424.110/PA, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 19/2/2019, DJe 26/2/2019, DJe 25/2/2019).

4. Mediante interpretação do art. 20, caput, da LC 87/1996, tem-se que o combustível utilizado por empresa de prestação de serviço de transporte aéreo constitui insumo indispensável à sua atividade, de modo que o ICMS incidente na respectiva aquisição constitui crédito dedutível na operação seguinte.

5. ‘A 1a. Seção desta Corte já consolidou entendimento quanto à inaplicabilidade do art. 166 do CTN quando trata a questão jurídica de aproveitamento de créditos de ICMS decorrentes do princípio da não- cumulatividade. A propósito, citam-se os seguintes julgados: AgRg no REsp. 1.178.563/SP, relator ministro HUMBERTO MARTINS, DJe 15/3/2011; AgRg no Ag 1.022.174/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19/3/2009’ (AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp 471.109/SP, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. 3/12/2020, DJe 15/12/2020).

6. Recurso especial provido.

(REsp 1844316/DF, relator ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/06/2021, DJe 14/06/2021)”.

Restou consignado de que a limitação temporal prevista no artigo 33 da LC nº 87/1996 somente se aplica aos bens de uso e consumo do estabelecimento, inerentes ao funcionamento do local onde situado o complexo bens móveis e imóveis que dão suporte à atividade-fim do empresário, os quais não se confundem com aqueles que são diretamente utilizados no processo produtivo.

Tratando-se de uma exceção de ordem temporal que condiciona o exercício do direito de creditamento assegurado pelo caput do art. 20 da LC 87/96, a regra prevista no artigo 33, I, dessa mesma lei complementar deve ser interpretada restritivamente, sob pena de, mediante eventual e indevido entendimento mais ampliativo, tornar sem efeito as importantes modificações normativas realizadas pela Lei Kandir.

Assim, o reconhecimento das mercadorias adquiridas como produtos utilizados na consecução da atividade-fim da empresa afasta a sua classificação como de uso e consumo do estabelecimento e, por conseguinte, a limitação temporal ao creditamento contida na Lei Kandir.

Fonte: Conjur